A evolução do processo civil ao longo dos anos tem sido marcada por diversas polêmicas e debates que moldaram o arcabouço jurídico que conhecemos hoje. Essas discussões não se resumem apenas a aspectos técnicos, mas são permeadas por questões teóricas profundas que desafiam a visão tradicional do direito processual. Entre os muitos temas que suscitaram divergências estão a definição do direito de ação, a natureza jurídica da ação processual, e a complexa relação entre o direito material e processual, tópicos esses que continuam a ser fontes de reflexões e reformulações doutrinárias.
O Direito de Ação e a Actio Romana
Um dos principais eixos de polêmica no direito processual civil gira em torno da compreensão do direito de ação. Tradicionalmente, o direito de ação é visto como um direito público subjetivo de demandar a prestação jurisdicional do Estado. No entanto, essa perspectiva foi questionada a partir dos debates entre Windsheid e Muther sobre a actio romana, lançando luz sobre a função e a estrutura desse direito na antiguidade.
Windsheid versus Muther: A Disputa Teórica
Em 1856, Bernhard Windsheid, ao escrever sobre a actio romana, defendeu que o sistema romano era baseado em ações (actiones) e não apenas em direitos subjetivos. Windsheid argumentou que a actio romana era um mecanismo profilático de imposição de vontade, diferenciado do direito subjetivo material. Essa teoria sugeria que as actiones eram autônomas em relação ao direito material, engendrando a divisão entre o direito de agir e o direito material propriamente dito.
Theodor Muther, por outro lado, contestou essa divisão, afirmando que a actio era um direito de pedir uma fórmula ao pretor, fundamentado em um direito subjetivo preexistente. Segundo Muther, mesmo no direito moderno, o direito de ação seria um prolongamento do direito subjetivo, necessário para a proteção deste perante o Estado.
A Relação entre Direito Material e Processual: Autonomia e Interseção
A relação entre direito material e processual também tem sido alvo de intensos debates. Na visão de muitos doutrinadores, o direito processual deve ser encarado como autônomo em relação ao direito material, embora esteja profundamente interligado a ele. Essa separação é crucial para compreender a função normativa do processo, que deve se basear em princípios e lógicas que não são necessariamente aplicáveis ao direito substancial.
A formação da Ciência do Direito Processual
Com o avanço das discussões sobre a autonomia do direito processual, surgiu uma nova ciência, fundamentada em bases publicísticas e não meramente privadas, como era visto anteriormente. A partir da obra de Oskar von Büllow, com sua sistematização da relação jurídica processual, desenvolveu-se a concepção do processo como um campo organizado e sistemático, dissociado da rigidez do direito privado.
Impactos dos Debates no Direito Contemporâneo
A controvérsia histórica em torno da coisa julgada ilustra bem a evolução do direito processual. A questão foi objeto de polêmicas contundentes entre teóricos como Carnelutti e Liebman, que discutiram a extensão da coisa julgada e sua aplicabilidade a terceiros. Essas discussões influenciaram profundamente o desenvolvimento das normas processuais modernas e continuam a informar debates sobre a eficácia das sentenças no sistema jurídico brasileiro.
Conclusão
As polêmicas do processo civil têm desempenhado um papel fundamental na evolução da ciência do direito. O confronto de ideias não apenas ilumina os aspectos obscuros existentes nas práticas processuais, mas também promove mudanças significativas que ajustam e refinam a aplicação do direito na sociedade contemporânea. O estudo desses embates continua a inspirar soluções inovadoras para os problemas processuais do presente, mantendo a jurisprudência e a doutrina em constante estado de atualização.
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